segunda-feira, 13 de maio de 2013

2+2=4 … sempre?




Olá! Primeiramente quero antecipar dizendo que o termo “sempre” é SEMPRE controverso, factível de dúvidas. Se você ler um ‘paper’ de psicologia, dificilmente verá a palavra “sempre”. Outro exemplo que podemos citar é no futebol. Você pode dizer “O Guiñazu sempre é expulso nos jogos do Inter, por causa daqueles carrinhos
temerosos temerários”, mas na verdade nem sempre ele é expulso, e portanto esta afirmação é apenas um exagero devido à emoção, ou a qualquer outra coisa. Vejamos um terceiro exemplo, caso eu não tenha sido claro ainda. Se você estiver realizando uma pesquisa rápida de opinião, você perceberá que nem todos irão dizer a mesma coisa, mesmo a pergunta sendo algo do tipo “Você prefere dormir em um colchão de molas ou num colchão de pregos?”. O que quero dizer é que nem tudo (ou melhor, quase nada) é exato. Inclusive arrisco minha cabeça (e com propriedade) para dizer que praticamente nada é exato neste mundo.
Vejamos o caso da soma de números, aliás, você provavelmente já deve ter ouvido a frase “A matemática é exata, imutável, ela nunca muda, porque SEMPRE 2+2 é 4″. Eu mesmo já disse isso uma vez, antes de ingressar no curso de matemática na UFRGS. Chegamos a um ponto interessante que pretendo partilhar com vocês. Não sei como são os outros cursos de matemática (licenciatura) espalhados pelo Brasil, mas considero a Licenciatura em Matemática da UFRGS um excelente curso de graduação por dois motivos; primeiro porque é um curso que exige um mínimo de formação matemática (Álgebra, Combinatória, Análise), segundo porque proporciona ao futuro professor um contato com alunos nas escola desde o começo do curso. Pois foi graças a este curso que descobri (isso mesmo, descobri!) que 2+2 nem sempre é 4. “Como assim você descobriu?” deve estar pensando o leitor mais iterado a respeito deste assunto. Sim, eu DESCOBRI… pessoal, não fiquem estranhando, quem é professor deve estar entendendo o que passei quando “aprendi” que 2+2 pode ser outra coisa diferente de 4. Quando um aluno (na escola ou na universidade) aprende algo surpreendente como se fosse uma descoberta, ele passa por uma verdadeira experiência, a qual nunca esquecerá. Pois comigo ocorreu exatamente isso quando a professora da disciplina ‘Fundamentos de Aritmética’ adentrou no estudo da aritmética modular, junto do algoritmo de Euclides (divisão).
Bom, depois de toda essa volta, vamos ao que interessa. 2+2 é 4? Depende. “Como assim depende?! Não estamos tratando de psicologia, nem de comportamentos! Portanto, não depende: ou é, ou não é!”. Calma leitor, calminha aí. Primeiramente vamos iniciar com o conceito de Aritmética Modular. “Aritmética Modular, também conhecida como aritmética do relógio ou calculadora-relógio, foi descoberta por Johann Carl Friedrich Gauss no século XVIII. O princípio da calculadora-relógio é idêntico ao de um relógio comum: se um relógio marca nove-horas e adicionamos cinco horas, o ponteiro das horas avança até duas horas. Desta forma a calculadora-relógio nos fornece a resposta 2, e não 14″ (Aritmética modular: Wikipédia). Neste caso do relógio, tivemos a igualdade “9+5=2″. “Espera aí, se 9+5=2, então tudo vale, portanto posso afirmar que a cor azul é vermelha…” Calma, já explico em detalhes isso.
Vamos tomar os números inteiros positivos a e b, com b não-nulo, e agora tomar também q e r inteiros não-negativos. Ao efetuarmos a divisão de a por b, teremos um quociente q e um resto r, graças à divisão euclidiana. Assim, teremos a seguinte igualdade: a=b.q+r. Por exemplo, se dividirmos 30 por 4 teremos um quociente 7 e um resto 2, com o número 30 sendo escrito assim: 30=4.7+2, com 30=a, 4=b, 7=q e 2=r.
Definida a divisão euclidiana, vamos agora definir outro conceito importante que irá nos ajudar na busca pelo “1+1″ perdido. No exemplo acima, dividimos 30 por 4, com quociente 7 e resto igual a 2. Vamos dizer que o número 30 É CONGRUENTE A 2 MÓDULO 4, pois dividindo 30 por 4 ou 2 por 4, o resto será o mesmo: 2. Vejamos outros exemplos. Note que 6, 10, 14, 18, 22 e 26, ao serem divididos por 4, também geram um resto igual a 2.  ”Como assim? Dividir 2 por 4 não faz sentido algum! 2 é menor que 4!” – poderia o leitor indagar. Note que, no entanto, ao dividir 2 por quatro, obtemos quociente q=0 e r=2 (ambos não-negativos, conforme combinamos algumas linhas acima). Sendo assim 30 é congruente a 2 módulo 4, e escrevemos assim: 30≡2(mod4). Observe também que 30≡2≡6≡10≡14≡18≡22≡26(mod4), pois todos estes números geram resto 2 quando divididos por 4.
Agora iremos abstrair mais um pouquinho. Vamos dividir 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 por 4 e ver o que acontece: 1 por 4 dá resto 1; 2 por 4 dá resto 2; 3 por 4 dá resto 3; 4 por 4 dá resto 0; 5 por 4 dá resto 1; 6 por 4 dá resto 2; 7 por 8 dá resto 3; 8 por 4 dá resto 0; 9 por 4 dá resto 1… Engraçado, os restos das divisões por 4 variam de zero até três, ou seja, nestes primeiros exemplos o menor resto obtido foi zero, e o maior foi três. Não vamos estabelecer uma verdade matemática, mas fica como desafio ao leitor provar que sempre (olha a palavra “sempre” aí!) que dividimos um número inteiro positivo por 4 obtemos resto 0, 1, 2 ou 3. Tente um número maior, por exemplo 103. Divida 103 por 4 aí no seu bloquinho, ao lado do mouse… Que resto deu? Minhas contas dizem que 103 dividido por 4 dá um quociente q=25 e um resto r=3. Desta maneira, podemos dizer que 103≡3 (mod4).
Experimente com outros números, faça a divisão de inteiros positivos por 1 e veja que o resto dá sempre 0 (lembrando que “sempre” só vale se é provado matematicamente); faça a divisão de números inteiros positivos por 5 e veja que os restos variam de zero a quatro; se dividirmos um inteiro positivo por 10, os restos variam entre zero e nove. Em geral, se dividirmos um inteiro positivo por n, o resto varia entre zero e (n-1); observe que se dividirmos n por n retornamos ao resto zero, e se dividirmos agora n+1 por n, o resto será 1, e assim por diante.
“Bruno, já estou cansado de tanto ler essa coisa de ‘aritmética modular’, chega logo ao fim!”. Não te entrega, vivente! (aqui no sul isso quer dizer “não desiste!”). Ratifico, não desista, caro leitor. Estamos chegando lá.
Vejamos, por fim, a soma 2+2. Se somarmos 2+2 obtemos (em tese) 4, mas na aritmética modular 4≡0(mod4). Logo 2+2=0?! Sim! 2+2, módulo 4, dá zero! “Não brinca!?”. Claro! Acabo de descobrir! “Pensando assim, tudo bem, Bruno. Mas na vida real 2+2 é 4″. Como assim ‘na vida real’? Aliás, você sabe porque na vida real 2+2=4? Acontece que na vida real, pelo menos no nosso sistema numérico, utilizamos o sistema decimal, isto é, nossa numeração está baseada na numeração de base 10. No caso anterior, nossa base era o 4, e portanto os números iam de zero e 3. No nosso sistema, os números vão de zero até 9. Faça um teste (se achar necessário): Divida por 1, 2, 3,…, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 por 10. Note que os restos variam de zero até nove, e quando dividimos 11 por 10, o resto retorna a ser 1, e começa a repetir. Na vida real, estamos acostumados à aritmética do módulo 10, ou normalmente chamado de sistema decimal. Quanto estamos no sistema ‘módulo 4′, o mundo fica diferente.
No início, ao citar um trecho da enciclopédia Wikipedia, citei o problema da calculadora-relógio. O relógio é um mecanismo que não usa o sistema decimal. Sua base é o 12. Observe que tudo começa a zero-hora, passa por todas as horas, e quando chega 11:59, o relógio retorna à zero-hora, e assim se repete o ciclo. Como no caso citado lá no início, pelo relógio se estamos marcando 10:00 e acrescentarmos seis horas, não teremos “16 horas”, mas 4, pois 16≡4(mod12), ou seja, 16 dividido por 12 ou 4 dividido por 12 dá o mesmo resto. Tudo bem que aqui no Brasil 4 horas da tarde é ‘denotada’ por 16 horas, mas estamos aqui tratando apenas genericamente de um relógio que conta até 12 (de ponteiros, por exemplo).
Bom, concluindo este post (senão ele fica muito extenso), quero lembrar do título. “2+2=4 … sempre?”. Resposta: Não! 2+2 é 4 em vários sistemas de numeração (base 5, 6, 7, 8, …), mas em base 4 2+2=0. Aliás, quanto vale 2+2 em base 3? Observe que 2+2=4 na base 10, e dividindo 4 por 3 obtemos o resto r=1. Assim, 2+2=1 na base 3! Aí está outro resultado surpreendente! 2+2 pode ser 1, 0, …
Se você se perdeu nessa leitura, não fique preocupado, na primeira vez que minha professora apresentou à turma este assunto, saímos quase todos com as cabeças esfumaçadas, dizendo que “Não tínhamos entendido bulhufas”. Mas com o tempo e exercícios acabamos entendendo.
Reitero que minha intenção não foi demonstrar ou provar nada. Até porque matematicamente não defini muitas coisas de maneira precisa, o que seria essencial numa prova matemática. Apenas quis trazer uma curiosidade matemática que é REAL, que existe no mundo real (por exemplo, a aritmética do relógio, ou problema da calculadora-relógio). Eu poderia ir além, e falar de outras “entidades” da Álgebra (Corpos, Anéis, Grupos, …) para encontrar outros resultados para a soma 2+2, mas vou ficar só por aqui. Por falar nisso, se eu for adentrar nesses conjuntos, certamente vou me perder, pois Álgebra não é meu forte.
Há muitas aplicações da aritmética modular, como por exemplo na criptografia. Bom, por hoje é só! Deixo aos blogs parceiros para adentrarem no mudo da criptografia, acredito até que um dos blogs parceiros já tenha falado nisso em alguma de suas postagens. Se for o caso, pode divulgar por aqui mesmo, nos comentários.

NOTA DO AUTOR: Peço desculpas pelas postagens distantes. Estou no final do meu curso, último semestre, e em paralelo estou estudando, escrevendo TCC e ainda trabalhando num projeto de extensão que me exige 20 horas semanais de trabalho. Sendo assim, minhas postagens são um pouco mais demoradas. Pelo menos serão assim até Dezembro. Mesmo assim, muito obrigado aos seguidores! Abraço.
Bruno Collares

Um comentário:

  1. Grata à você, por compartilhar... muito curioso, mais uma "verdade por terra" , kkkkk
    Abraços

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