segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Você tem tempo para ler isso?

 

Igor Teo | 8 de outubro de 2012
Na última sexta-feira (05/10/2012) estive no Simpósio Internacional Tempo e Subjetividades, ocorrido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O evento reuniu estudiosos das mais diferentes áreas do conhecimento, da física à psicologia, além de outras subáreas das ciências humanas, unidos para discutir sobre o tema “Tempo”. Apesar de ter acontecido diversas mesas de discussões, a que mais me encantou foi a última, que reuniu o sociólogo alemão Hartmut Rosa da Universität Jena e o cosmólogo Luiz Alberto Resende de Oliveira, sob a coordenação do psicólogo social Jorge Coelho Soares. A exposição em particular de Hartmut Rosa me abriu uma perspectiva muito interessante e me fez refletir não só sobre a sociedade, mas também quanto à condição acadêmica de nosso país.
Mas se você não tem tempo para ler sobre isso, então eu acho que na verdade você precisa ler sobre isso.
Hartmut Rosa nos apresentou a ideia da aceleração do tempo, relacionando-a com a sensação de falta deste último que vivemos atualmente. Pois é muito curioso notarmos que alguns séculos atrás, em um tempo de uma hora poderíamos escrever com folga uma carta. Hoje, em menos de meia hora escrevemos mais de dez e-mails, se assim for necessário.  E este aumento de produtividade não se reflete apenas na comunicação, pois também fazemos viagens cada vez mais ligeiras em aviões, temos pausas de almoços cada vez menores  nos fast-foods (embora no Brasil acho que os restaurantes com este objetivo ainda não entenderam a ideia e nos fazem perder mais tempo na fila do caixa do que comendo), além de inúmero outras experiências cotidianas de nossa vida que ocorrem cada vez mais aceleradas. Enfim, se podemos fazer tudo mais rápido, era para que justamente nos sobrasse mais tempo livre. Entretanto, não é isso o que acontece, pois pelo contrário, sentimos que cada vez mais nos falta o tempo.
Falta tempo porque não escrevemos 10 e-mails em meia-hora. Escrevemos pelo menos 20, além de responder a inúmeros outros. O aumento da produtividade não significou uma redução da necessidade de produção, mas na ocorrência de necessidades de produções cada vez maiores. Produzimos cada vez mais bens e consumimos cada vez mais também. Há cada vez mais opções e possibilidades, embora a única coisa que não podemos aumentar é o próprio tempo. Assim o tempo que poderia ser vago é na verdade preenchido com mais tarefas, sobrecarregando o pouco que temos. Não à toa andamos apressados de um lado para o outro, sempre atrasados.
Isso reflete na maneira como vivemos a vida. Faz certo tempo que tenho pensado na ideia de que o homem não sabe conviver com a possibilidade de seu próprio fim, e por isso temos religiões, ciência e arte. O professor Rosa comentou algo justamente neste sentido, pois segundo o mesmo, a morte não nos assusta mais porque o homem acredita que descobriu o segredo da imortalidade, e este é viver o maior número de experiências possíveis antes de morrer. Ou seja, ao invés de nos tornarmos imortais não morrendo, achamos que nos tornamos imortais vivendo tudo que a vida pode oferecer antes de morrer, esgotando a possibilidade de experiências. Mas por sorte ou azar, isso é impossível.
Vivemos a pós-modernidade, um tempo onde a informação é metaforicamente gasosa, tudo muda muito rápido. No passado os velhos eram respeitados porque eles guardavam um entendimento sobre a vida. Uma senhora podia falar para seu neto como a sociedade funcionava. Algumas décadas atrás isto já não era mais possível, pois uma senhora  poderia no máximo dizer que “na minha época era assim”. Hoje nem mais isso, o máximo que podemos dizer aos nossos filhos é “na minha época era diferente, hoje é assim, mas prepara-te porque logo tudo será distinto”.
Como ficam as pessoas num mundo tão contingente? Segundo Rosa, isso cria diferentes tipos de identidades. Primeiro temos os “surfistas”, pessoas que se adaptam muito bem a impermanência e sabem dela tirar proveito. O segundo grupo de identidades são aqueles que ficam “à deriva”, flutuando nas ondas, sendo levados pela correnteza dos acontecimentos. O terceiro grupo são os fundamentalistas: aqueles que não são mais desse tempo, mas ainda resistem. Eles não sabem lidar com a contingência, preferindo se agarrar a ideias com data de validade vencida do que aceitarem o “pode-ser-ou-não” da vida. No Brasil este grupo lembra-me muito a ultradireita com seu discurso conservador e totalmente delirante, além de anacrônico. Por último, temos os depressivos.
Hartmut Rosa nos falou muito mais de suas ideias durante a sua apresentação, constituindo algo maior do que eu aqui brevemente resumo a vocês. Por isso vale a pena conhecerem por si mesmos, embora  acredito que pouca coisa já tenha sido traduzida ao português. Apesar de pouco conhecido no Brasil, uma breve pesquisada no Google nos permite notar que seu trabalho já tem sido reconhecido ao redor do mundo. Daqui a alguns anos, creio que Hartmut Rosa irá figurar ao lado de outros grandes sociólogos como Theodor Adorno, Jürgen Habermas e Zygmunt Bauman. Por minha vez, eu agradeço por ter tido o tempo para tê-lo conhecido antes disso.

4 comentários:

  1. Gostei do que li. E é a isto que chamo de estar fora do presente neste prisional labirinto do nada... A morte e o tempo são um programa escravagista, milenar... Sinto muito, sou grato. Queira perdoar o laconismo, é que o assunto é sério. Ou não... Crenças e escolhas determinado o estilo de nossa "surf board" sobre as ondas quanticas que criamos para validar nossos Eus. Sinto muito, sou grato. Rir muito, ainda é a grande certeza de que estamos no agora. Paz e Luz.

    ResponderExcluir
  2. A tecnologia que chegou ao homem, seria para que ele tivesse mais tempo pra viver essa vivência fútil, de aparências. Mas não é bem assim; hoje temos celulares, computadores, etc..... levamos serviços prá fazer em casa, e sobra cada vez menos tempo pra nós mesmos. Parafraseando essa querida pessoa acima: "Sinto muito, sou grato". Sempre estive lá e aqui."Vos Perdôo".

    Edgar

    ResponderExcluir
  3. Olá, Gostei muito do que você escreveu e por vários motivos. Primeiro porque também estive neste Simpósio e assisti a conferência do Hartmut Rosa (na verdade, fiz parte da Comissão de Organização do Simpósio) e segundo porque você resumiu bem a preleção deste estudioso, sorte para seus leitores! Não sei se eu e você nos conhecemos, talvez sim, talvez não, porque não sei seu nome nem você deixou um perfil seu aqui, mas de fato isso não importa, importa é que possamos trocar ideias, fortalecer discussões, enfim, propagar o bom senso dos diálogos respeitosos. Então, caro colega, permita-me, talvez, contribuir aqui com alguma informação a mais - se você não se importar... Pois bem, Hartmut Rosa (seu sobrenome fala-se "rôsa") é um estudioso ímpar e uma pessoa rara: é simpático (um alemão absolutamente simpático!), gentil, aberto a qualquer discussão, e disposto a trocas de idéias. Tudo o que esperaríamos - erroneamente - de um estudioso doutor, europeu, oriundo de um país - até agora - forte, seria certa postura de superioridade, toques de arrogância ou mesmo alguma "seletividade" em querer conversar com as pessoas elegendo apenas as "dignas dele". Nada disso, porém, se encaixa com o perfil de Hartmut Rosa. Ele se encanta com a diferença, aproxima-se das pessoas com generosidade intelectual incrível, se interessa por quem tem interesse em debater, fala com tranquilidade, perdoa nossos erros de inglês ou alemão - ele afirma q falar português também é difícil e por isso sente-se tranquilo com nossos erros idiomáticos - enfim, não teme conversar da forma que se puder conversar. Diálogo é o que importa para ele. Hartmut sorri muito, tem uma mente absolutamente efervescente, tem energia de sobra, é apaixonado pelas culturas diferentes das européias, é músico "nas horas vagas e nem tanto"... Em suma, uma pessoa que cumpre largamente o que advoga em seus livros: tem tempo para a vida pois esta é a forma mais importante de viver. Nós, da Comissão Organizadora do Simpósio, tivemos o prazer de estar mais perto deste alemão que se encantou com nosso Chorinho, degustou nossa cachaça (e gostou!), agradeceu por termos recebido-o aqui e afirmou que veio ao Rio para aprender. Como percebe, temos uma gigantesca lista de elogios a ele, e, acredite, são todos verídicos e facilmente comprováveis. Obviamente, graças ao fato do Hartmut Rosa ser como é, nós aprendemos muito mais com ele. Todavia, os estudos de Hartmut Rosa de fato são pouco conhecidos no Brasil, nenhum trabalho dele sequer foi traduzido ao português, temos apenas acesso aos livros dele em francês - nenhum vendido no Brasil - mas ele nos deu a acalentadora notícia de que em breve terá seus livros traduzidos para o espanhol. (CONTINUA abaixo)

    ResponderExcluir
  4. CONTINUAÇÃO:
    Para quem arrisca-se em ler francês, penso que ler o ótimo livro dele "Aliénation el Accélération" vale muitíssimo a pena, e boa parte do que está versado neste livro, ele resumiu durante sua conferência na UERJ. Enfim, um estudioso desta envergadura é uma fonte rica de reflexões e aprendizados. Em um tempo onde o tempo se acelera e empobrece a existência, a conferência de Hartmut Rosa traz uma mensagem de frenagem. A rapidez da vida pode ser freada, se quisermos com pulso forte desacelerar as coisas e primarmos pela vagarosidade para melhor sorver até as relações humanas, tal qual Hartmut pessoalmente o tenta e o consegue fazer. Há atualmente alguns estudiosos mais atentos à questão do tempo, somos parte destes estudiosos, e esperamos que nossos debates fujam dos muros acadêmicos e também alcancem a imensidão social. Não porque queremos que nossas pesquisas ganhem visibilidade, mas sim porque urge que a vida sossegue, que o tempo desacelere, que a sociedade seja, por fim, mais saudável e o tempo deixe de ser um inimigo para ser um aliado de nosso viver. Aproveito e mando um vídeo feito com base nas pesquisas de Hartmut Rosa, em português. E, para terminar, é preciso agradecer a você, "amigo desconhecido", por dedicar uma parte de seu Blog ao Hartmut Rosa e seus estudos essenciais. Parabenizo, portanto por seu texto! Forte abraço! Eis o link do vídeo (se quiser, pode divulgar à vontade). Ass: Evie Giannini

    Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=yTARiMPJYrg

    ResponderExcluir