quarta-feira, 6 de maio de 2015

Histeria

Nunca vou deixar de me impressionar com as demonstrações de histeria nas igrejas. Antes era uma coisa mais espontânea, hoje é quase uma obrigação, incentivada pelos próprios pastores e obreiros.



Esse tipo de manifestação pouco (ou nada) tem a ver com espíritos. Num relato que fiz num post de 2006 pude perceber uma abordagem mais intimista, mais no sentido de auxiliar. A perturbação era vista como o Satanás, hoje ela é o Espírito Santo. Se antes era um estorvo, hoje é uma glória. A idéia é botar pra fora, dar show. Isso ajuda as pessoas? De certa forma, sim. Mas ao mesmo tempo em que você joga pra fora essa energia mental presa, o sistema de recompensa do cérebro lhe programa pra você ter outro represamento que vai lhe levar a ter outra dessas manifestações na Igreja.
A histeria é algo conhecido desde a antiguidade, na Grécia. O nome vem de Hysteria, útero em grego. Isso porque o fenômeno foi primeiramente observado nas mulheres. Pra eles o desejo sexual feminino era algo ignorado ou simplesmente relegado a segundo plano, e com isso muitas vezes os sintomas de falta de sexo - excitação, fantasias eróticas, lubrificação vaginal e comportamento em geral melancólico ou irracional - eram classificados literalmente como uma doença, chamada de "Histeria" por Hipócrates (o pai da Medicina moderna). Ele acreditava que isso se dava por um "deslocamento do útero", daí o nome.
Em 1653, o médico holandês Pieter Van Foreest publicou um compêndio médico com um capítulo sobre doenças femininas. Para a histeria, Foreest aconselhava o auxílio de uma parteira para realizar a massagem na genitália, com um dedo dentro da vagina, usando óleo de lírios como lubrificante. No início do século 19 o "tratamento" tornou-se comum, com os médicos passando horas masturbando suas pacientes até que elas atingissem o "paroxismo histérico", como os médicos da época chamavam o orgasmo. Depois de uma sessão de gemidos e gritos, a mulher ficava mais calma, e os sintomas desapareciam - pelo menos por um tempo. Como essa tarefa era maçante, e os médicos começaram a ficar com tendinite, novas alternativas passaram a ser testadas. O médico americano George Taylor patenteou, em 1869, o primeiro vibrador a vapor, batizado de "The manipulator". Em 1880, o médico inglês Joseph Mortimer Granville inventou o vibrador movido à manivela. Aperfeiçoada, a ideia se materializou em 1902 no primeiro vibrador elétrico, lançado pela empresa americana Hamilton Beach. Nessa época, os vibradores deixaram de ser usados apenas nos consultórios médicos, e as mulheres passaram a tratar a "histeria" em casa. Ainda assim, o conceito de que aqueles sintomas caracterizassem uma doença só foi abolido pela Associação Americana de Psiquiatria em 1952.


É interessante atentar para as datas pra vermos como damos pouca importância, não só às mulheres, mas ao que se passa na mente humana. O homem também pode sofrer com os mesmos problemas, mas isso não é algo abordado ainda hoje na nossa cultura. E hoje sabemos que nem todos os problemas de histeria provém da falta de sexo. No final do século XIX, o neurologista francês Jean-Martin Charcot, que empregava a hipnose para estudar a histeria, demonstrou que idéias mórbidas podiam produzir manifestações físicas. Pouco depois, Sigmund Freud, em colaboração com Breuer, começou a pesquisar os mecanismos psíquicos da histeria e postulou em sua teoria que essa neurose era causada por lembranças reprimidas, de grande intensidade emocional. A partir daí ele desenvolveu técnicas específicas para conduzir o tratamento de suas pacientes: nascia a Psicanálise, como resposta a esse desafio.
Histeria em Massa - também conhecida como histeria coletiva ou transtorno comportamental coletivo, é um termo reconhecido pela psicologia e pela sociologia que se refere a alucinações que atingem uma determinada parcela da sociedade e se espalham com grande rapidez afetando um número cada vez maior de pessoas. Os principais catalizadores da histeria em massa são os rumores e o medo. Nos casos mais graves, uma única pessoa ou um grupo relativamente pequeno é capaz de convencer um grande número de indivíduos que uma situação de perigo ou de ameaça está prestes a se instalar (ou já se instalou) no meio. Nesses casos, as pessoas tendem inclusive a manifestar sintomas físicos como se realmente estivesse sendo afetada pela condição inexistente. Várias ocorrências de histeria coletiva foram registradas ao longo da história. Ainda 1518, em Estrasburgo, hoje no território da França, centenas de pessoas começaram a dançar de forma descontrolada. A epidemia, batizada de "Praga da Dança", acabou matando muitos de exaustão. Outro caso mundialmente conhecido ocorreu em um colégio de freiras no México em 2007. Lá, cerca de 600 alunas começaram a apresentar dificuldades para andar. Depois de muitos exames físicos, a conclusão foi de que as regras rígidas da escola acabaram desencadeando a histeria coletiva.
Com o aprofundamento dos estudos percebeu-se que a histeria poderia ser induzida ao colocar a pessoa em transe, e a melhor coisa pra isso é o som ritmado. Isso já era um conhecimento inato das religiões/tradições mais antigas, que usam o batuque (afros), gritos coletivos (índios), respiração forte (sufis), músicas no mesmo tom (hinduísmo, budismo, catolicismo), danças em grupo (índios, sufis) para atingir estados que permitem descarregar as energias mentais represadas. Os evangélicos não demoraram a incorporar esses elementos nos seus cultos, primeiro no sul dos EUA (música Gospel), depois através de auto-sugestão, canalizando sua fé para "super-pastores", que fazem a vez dos Santos católicos, ou gurus indianos, ou shamans.

O que se percebe é que os evangélicos simplesmente ocuparam espaços mentais que estavam reservados a essas figuras, espaços estes que aparentemente já nascem conosco, independente de nossa cultura. O ocidente se afastou por completo de suas tradições religiosas que vinham ocupando esses espaços, e a tal "modernidade" não preenche de forma satisfatória todas essas necessidades da mente. Usamos bailes, raves e danceterias pra dança coletiva. Usamos sexo para extravasar, esportes, malhação ou consumo desenfreado pra aplacar nossa ansiedade, mas o espaço do "divino" no nosso cérebro continua sem um substituto moderno. A Ufologia (ou melhor, a Ufolatria) chega a ocupar esse espaço em alguns grupos, mas não é muito popular. A Apple chegou bem perto de ocupar esse espaço mundialmente enquanto tinha Steve Jobs, mas as pessoas mais angustiadas acabam mesmo procurando uma resposta nas velhas religiões.
Na idade média a histeria era relacionada ao demônio, e todo o "tratamento" da época era realizado através da dor. Pensamentos "obscenos" poderiam ser expulsos através de uma mortificação com o Cilício, assim como mulheres que brigavam entre si poderiam ser obrigadas a andar juntas pela cidade com coleiras de metal, ou um músico "preguiçoso" poderia ser obrigado a usar a "flauta da vergonha". Daí pra acusação de possessão demoníaca ou bruxaria era um passo. Quanto mais aprendo sobre a sociedade da época mais fica evidente que a Igreja Católica era só mais umapeça (e uma importante) de uma sociedade doente, e não a causa dela. A ignorância, a intolerância e a manipulação pelo poder foram as verdadeiras causas, e isso temos de sobra até hoje, agora espalhados em várias peças (religião, política, sociedade, mídia), cada uma querendo arrebanhar seus seguidores.
Via http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2015/05/histeria.html

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