“À beira da pré história vivem esses homens nas montanhas da Nova Guiné” assim falou o inglês David Attenborough quando encontrou os habitantes das ilhas perdidas no Oceano Pacífico. Em meados dos anos 1970, ele se referia às tribos que ainda hoje habitam um mundo mágico, em que todas as atividades são ritualizadas, como devem ser, na crença de que os deuses serão generosos.
Eles não tem idade, não usam relógios. Vivem entre as às árvores, junto a vulcões em plena atividade. Colhendo, caçando, esperando navios e aviões. Exatamente, segundo eles, a bonança virá através de carregamentos do além. Mas não do além mar, em verdade, do Paraíso. Os deuses devem ser brancos, comunicam-se pelo rádio e são reverenciados com a bandeira americana. Aviões e navios cargueiros são a prova disso. Eles também aguardam o filho de Deus, de nomeJohn Frum, o messias de uma das religiões mais jovens do mundo, a Carga (Cargo cult, em inglês). John Frum aparece para os mais crédulos, no meio da mata, à noite ou de dia, com sua cara pintada de branco, mensageiro de estranhas pronúncias, do outro mundo, provocando furor. Sua origem é desconhecida, as lendas transmitidas oralmente mudam de versão constantemente. John Frum às vezes é homem branco, de olhos azuis, outras vezes é um melanésio, aborígene do Pacífico Sul.
Ora, estes povos tiveram contato com o ocidente moderno há pouco mais de um século, quando ingleses, australianos, e depois americanos na segunda guerra mundial, fizeram pousos estratégicos naquelas ilhas. Com eles traziam suprimentos, comida enlatada, papel, tabaco, alguns eletrônicos e hábitos de uma sociedade longíqua, industrializada. A carga só poderia ser obtida por meio de magia mesmo! Que o homem branco sabe fazer muito bem. Sentam-se à mesa, bebem chá, falam inglês, marcham, estiram bandeiras. Todos esses rituais foram decodificados pelos locais como oferendas aos deuses. E assim o é transmitido para todas as gerações das várias ilhas de Tanna, em Vanuatu (a Nova Guiné é na realidade parte do território Indonésio). Os homens destas tribos marcham, constróem réplicas de armas, de aviões, de rádios, em palha; pintam “USA” no peito nu, na falta de verdadeiras insígnias e emblemas militares.
Durante os anos de 1950 o culto à carga foi reprimido pelos então colonizadores (sempre os ingleses!). Assim como reagiu o velho Attenborough, os ocidentais viam naqueles rituais sinais de doença, maluquice. Tentaram implementar o cristianismo. Alguns até se converteram. Mas não adiantou proibir, ou tentar explicar àquele povo que as mravalhas enlatadas custavam dinheiro e trabalho duro. O culto à carga apenas foi obscurecido, existindo sigilosamente nas vizinhanças mais afastadas. Pouco depois, uma vez livres dos britânicos, o estado local reconheceu a religião e estabeleceu o dia 15 de fevereiro como o dia de nascimento de John Frum, dia este em que os fiéis acordam antes do amanhecer, reúnem-se em estilho militar, para marchar e saldar o filho de Deus.
É fácil fazer troça deles, da interpretação que fizeram da tecnologia ocidental. Qual não foi o meu espanto também quando soube da existência deste culto. Fascinada, não podia imaginar que era mais ou menos assim que esta crença e todas as crenças são inventadas. Com todo o respeito a todas as religiões do mundo, sou ateia. E minha ideia sobre fé só se confirmou. A fé é humana, sim, é necessária para a continuação do nosso dia-a-dia. Mas é algo tão moldável quanto a nossa própria imaginação permitir. Estes homens nos dão uma lição de imaginação!

No Youtube você pode ve-los um pouco mais, como no antigo documentário do velhinho da BBC: